Quando você para de sentir
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Desenho por @drawinarts no Twitter |
É um caderninho que no começo te faz chorar. Cada gota que cai é feita de chumbo, dói. Você deixa aquilo acontecer, todos ficam tristes. É só tristeza e esse momento você ainda tem motivo para chorar, ou você acha que tem. Tudo é nevoa agora, uma densa neblina se forma em seus pensamentos, você não consegue enxergar quem sempre foi, quem você é. Essa neblina te cobre, mas por um bom tempo você finge que consegue enxergar e acha que vai ficar tudo bem. Todos passam por neblinas, isso é só um nevoeiro na estrada, logo vai passar, não é? Você escreve sobre a névoa no caderninho e tudo que, provavelmente, faz ela acontecer. Mesmo que não tenha certeza do que seja exatamente.
Depois de um tempo com o caderninho, você começa abrir o mesmo por mais vezes e ele começa a fazer parte da sua rotina. Você leva-o para todo canto, e agora, ele se abre sozinho em qualquer lugar. O caderninho te faz sentir sozinha mesmo que você esteja em uma arena lotada. Te torna uma uma incógnita dentro do seu próprio 'EU', você não se conhece tão bem como antes. Ele tem um poder estranho, faz com que você seja incapaz de distinguir o que te afeta, o que te deixa triste. Você não está triste. Você não sabe o que é tristeza nesse momento, você simplesmente não sente nada, e isso dói mais que um soco no estômago. O caderninho é tão chamativo agora, ele te distrai, você não consegue prestar atenção em mais nada que não seja ele, você pensa apenas nele. Você quer parar de pensar. Não consegue. O caderninho te tira o sono ou as vezes te dá muito sono, ele te faz entrar nos extremos, porque aparentemente, o caderninho não quer que você pare de escrever nele, ele é egoísta, tem vida própria. O pior é que agora, todas as letras escritas nele, que antes até pareciam legíveis, estão borradas. Nesse momento você até desaprendeu a escrever sobre o que possívelmente faz a névoa aparecer. Não existe nada que te coloque para baixo agora. Não existe briga, crítica, nem ao menos o fato de que as pessoas estão se afastando de você. Nada te afeta mais. O seu corpo agora esta anestesiado, você não consegue saber se isso é bom ou ruim pois você simplesmente não sente.
Você não percebeu quando "ganhou" o caderninho, mas ele veio com um brinde, uma caixa de lápis. Uma caixa de lápis parece ser boa para enfeita-lo, assim você não vai precisar deixar páginas em branco ou escrever coisas que não entende. O problema é que, essa caixa de lápis é diferente. Existe algo sobre ela que não te deixa pintar dentro das linhas. Todos os lápis rabiscam junto, ao mesmo tempo, tudo fica uma confusão. Aparentemente, todos os sentimentos que a névoa escondeu foram libertados pela caixa de lápis, agora eles estão descontrolados e sem rumo. Todos os sentimentos antes ocultados agora são liberados de uma vez só nas suas folhas de pensamento. Dessa vez você sente. Você sente tudo. Você treme, chora, gargalha. Você não sabe o motivo pra estar assim. Você só queria que a caixa de lápis pintasse direito, mas os lápis fazem tanta força em suas folhas, você sente como se a qualquer minuto elas pudessem rasgar. Você grita por ajuda, mas não consegue falar. Até que tudo para, os lápis voltam para caixa. O silêncio apático depois do choro parece ser mais confortável.
Você se esforça para sair de casa sem o caderninho, você se esforça para conversar e se divertir com os amigos. Mas agora você não vê mais lógica nisso. É tudo difícil e complicado demais. Mas você acredita que vai tudo mudar e isso é só uma época ruim.
Não mudou.
Dia, semanas e meses passaram - você não está conseguindo visualizar o tempo com tanta clareza. Você ainda não sente emoção ao sair com os amigos. Mas não conta para ninguém, você atua bem cada um dos seus sentimentos. Finge estar feliz, triste ou irritado. Oras, você não quer que alguém saiba que você se sente no tédio ao estar ao lado dele! Você não quer que as pessoas saibam que ao sorrir, na verdade seu cérebro está entrando em um colapso e o desespero está tomando conta de você. É meio constrangedor, é vergonhoso saber que você não sente nada.
Tudo o que te dava ânimo e esperança, não existe mais. Aquelas páginas, aparentemente, foram arrancadas com tanta força. Não existe mais a - boa - ansiedade pelo aniversário, ou a alegria por ter conhecido alguém novo que parece ser legal. Existe uma grande barreira que te impede de sentir. Não é como se você estivesse pouco se fodendo para as coisas, mas você simplesmente não consegue se importar com nada.
Certo tempo depois você descobre que o caderninho tem um nome específico. Pelo visto, não é só você que tem. Há algum tipo de papelaria doando esses caderninhos, estão em uma prateleira chamada "Depressão" e olha, a marca da caixinha de lápis é "Ansiedade". Mas isso não muda nada. Saber o que o caderninho é, não muda. Aparentemente você se tornou o caderninho, e não tem mais forças para fechar as páginas.
Você não consegue lutar contra a depressão. A depressão é um nada - é impossível lutar contra nada.
A rotina, as ordens sem nexo, os sentimentos confusos, a ineficiência, a procrastinação, o desânimo. A insistência diária de sorrir artificialmente. A deficiência de conseguir ver um futuro. É só futuro. É algo cinza, é como névoa você não consegue ver por onde ir. Você não consegue ver como ser feliz.
E se não te faz feliz, por que ficar?
É um momento complicado quando você percebe que não quer mais estar vivo. Estranho pois, nem surpreso você consegue ficar. Não existir parece ser uma opção mais viável do que continuar vivendo. E se o futuro inteiro for névoa? E se eu não conseguir sentir mais nada, nunca?
Você se encontra na linha tênue entre a sanidade e a falta dela. Até que, dentro da densa névoa, uma lamparina acende. Está um pouco embaçada, mas é uma luz. Você se esforça para chegar até lá, é um processo longo, todos sabemos. Mas existe um jeito de sair da névoa, você vai conseguir. Você consegue. Agora o caderninho parece mais claro, as letras não estão mais desorganizadas e você nem precisa forçar a vista para conseguir ler. Agora você consegue sentir todos os sentimentos e todos os lápis estão na caixinha. Infelizmente, o caderninho vai sempre te acompanhar e, contanto que você segure firme a lamparina, você vai conseguir ler e controlar ele.
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